Um dia cheguei para o psicoterapeuta e lhe disse:

– “gostaria muito de estar, sei que estou, mas não sinto essa conexão com o agora”.

Isso chama-se cognição, em outras palavras, temos a necessidade de ligar os pontos, de criar conexão com tudo o que está acontecendo, temos uma necessidade de trazer mais luz à nossa consciência, porque senão parece que estamos vivendo um filme.

Sentimos mesmo vivendo um filme no qual insistimos em ser o protagonista, o ator principal.

A vida é uma narrativa, e temos a necessidade de contar bem a nossa história, para nós mesmos e para aquelas pessoas que nos são importantes.

Quando tentamos fazer isso, precisamos nos localizar no tempo e no espaço, todos os livros de história fazem isso, começam em algum lugar e num determinado tempo.

Porque fazemos isso?

Para justificar a nossa existência, e aí nos perguntamos:

Onde estou? Qual o fator cognitivo para essa pergunta?

Que quer dizer, o que está por traz de tudo isso, qual trajetória trouxe-me a esse lugar, que suporte histórico constrói esse hoje?

Para responder a essas perguntas precisamos olhar para traz.

Não há possibilidades de compreender sem observar o nosso histórico, observar a nossa biografia.

Quando fazemos isso, o passado torna-se uma bagagem desconhecida, uma coisa que insiste em se fazer presente.

Essa relação de presente buscando o passado não é tão simples.

Se prestar bem atenção, esse ser humano que está presente é o ser humano do passado, ou seja: todas as experiências do passado, vivendo o presente.

Em outras palavras: o ser humano é memória.

O passado emerge no presente, e aí passamos a viver o passado no presente, e o passado e o presente passam a ser a mesma coisa.

Esse passado não é factual, mas é um passado que se apresenta e se manifesta no presente.

Um passado que não quer ficar no passado, que precisa ser compreendido, senão adoecemos.

Fazer uma investigação criteriosa existencial, é de extrema importância pois assim estaremos cuidando dos motores da vida presente, afinal um motor deficiente não pode te levar longe.

Estamos olhando o tempo todo para trás, na tentativa de compreender, organizar e dar um significado para o que se viveu.

Não é só o passado que dá sentido ao presente, mas o presente dá sentido ao passado.

O passado é significado no presente.

Há uma inversão no tempo, o presente influencia o passado, o passado é vivido no presente e ressignificado.

O passado passa a ser experimentado de um modo tão novo que não é exagero dizer que ele foi alterado.

O presente é uma memória, uma meditação da própria vida, e quando fracassamos em dar uma coerência para a nossa história, nosso motor começa a falhar.

Quando há uma fragmentação na nossa narrativa, perdemos o fio condutor, é como uma engrenagem com um dente quebrado.

Quando a narrativa se desenrola e chega na parte que não está resolvida, pulamos essa parte.

Quanto mais resolvido estiver o nosso passado, melhor desenvolvemo-nos no presente.

Somos contadores de nossa história, guardamos no íntimo a razão dos fatos e a lógica que rege a narrativa.

É vivendo à luz de novas experiências que podemos dar um novo significado às nossas experiências já vividas, àquelas que estão travando nossos motores para seguirmos nossa viagem para o futuro.

Um passado sem coerência e significado faz com que o futuro se apague.

O presente e o futuro.

O ser humano é projeto.

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